Lei estimula liquidação e regularização de dívidas rurais

Na exposição de motivos do projeto da Medida Provisória 432/2008, de estímulo à liquidação e regularização das dívidas rurais, transformada na Lei 11.775/08, os ministros de Fazenda, Guido Mantega; de Agricultura Pecuária e Abastecimento, Guilherme Cassel; de Desenvolvimento Agrário, Reinhold Stephanes e de Integração Nacional, Geddel Quadros, não rodearam tocos.

Muito melhor que a lei, a exposição de motivos não deixou dúvidas quanto às suas razões, motivações e objetivos.

A lei é enunciada como destinada a “estimular a liquidação ou a regularização de dívidas originárias de crédito rural e de crédito fundiário” a “equacionar o endividamento de contingente substancial de produtores rurais”.

Arrazoam os ministros que “o objetivo do governo federal” é o “saneamento financeiro do setor rural”, “facilitar a liquidação das operações efetuadas nas décadas de 80 e 90, concedendo descontos para liquidação antecipada, além de reduzir os saldos devedores com a retirada dos encargos por inadimplemento das operações, de maneira a possibilitar aos mutuários inadimplentes a regularização de suas pendências”.

Para o jurídico dos produtores rurais a exposição é irrepreensível, irretocável. Não há melhor interpretação da lei que a originada da exposição dos objetivos e motivações do legislador.

O governo federal não deixou também de apresentar como justificativa o “cenário de preços de produtos agrícolas em alta” e o “dever do Estado propiciar condições” aos produtores de “regularizarem suas pendências e resgatarem o acesso ao crédito, para que disponham da faculdade de incrementar a produção”, “sobretudo pela demanda crescente dos países em desenvolvimento por alimentos”.

Mais ainda, que a lei é uma “contribuição da sociedade brasileira para ampliar a oferta mundial de alimentos, por meio da utilização do potencial produtivo nacional, na busca do desejado equilíbrio no suprimento vital para os povos”.

É com olhos na exposição de motivos que os jurídicos e os negociadores das instituições financeiras deverão fazer a leitura da Lei 11.775/08 no equacionamento das pendências em suas carteiras de crédito rural, seja administrativamente ou judicialmente.

A maioria dos conflitos envolvendo crédito rural é quase exclusivamente sobre metodologias de cálculos de juros e indexadores de correção. Conflito que ganha agora fatos novos em favor dos produtores, mas não sensibiliza os bancos na mesa de negociação, que insistem na tese de casos “não enquadráveis” na lei.

Pretensões resistidas e interpretações que as sustentem sempre existirão. Advogados de produtores e bancos são bons nisso.

Instituída para equacionar o endividamento, a lei tem também o condão de renovar e prolongar por anos e anos, através de medidas incidentais, todo o debate dos processos judiciais em curso, inclusive daqueles com trânsito em julgado ou em fase expropriatória.

Faltou na lei um instrumento de barganha permitindo a construção de equação financeira que ao mesmo tempo represente a garantia de crescimento da produção e também de resgate do financiamento do crédito oferecido.

A urgência de construção desta equação vem de regiões agroindústrias, já desenvolvidas pela diversidade da produção agrícola que deparam com o cenário de avanço e substituição acelerada da cultura de grãos pela cana destinada ao etanol. Rio Verde, em Goiás, é exemplo.

É necessário que os órgãos governamentais, instituições de crédito e a cadeia produtiva do agronegócio busquem instrumentos para a manutenção e preservação de produtores e terras que sustentam a diversidade agrícola.

Adoção de cláusula de reserva e garantia de diversidade da produção agrícola, como instrumento de negociação para flexibilizar a interpretação da posição dos agentes financeiros nas negociações ou renegociação das dívidas dos produtores rurais, pode ser a base desta equação que, ao mesmo tempo, potencializa os objetivos da Lei 11.775/08, salva-guarda a existência do próprio o crédito rural e garante a sustentação e riqueza gerada pelo agronegócio, que tem sua força na diversidade da produção agrícola.

Cláusula de reserva que encontra respaldo nos artigos 1º e 3º e artigo 5º XXII e 170, III da Constituição, quando cuida dos fundamentos do Estado democrático de direito, dos objetivos da nossa República e da função social da propriedade na ordem econômica.

Através da Reserva de Diversidade da Produção Agroindustrial (RDPA), proponentes, herdeiros e arrendatários, por prazo negociado, se abstém de ocupar percentuais da área cultivável de suas terras com a cana destinada à produção de etanol.

Em outras palavras, de forma a garantir a diversidade da produção agrícola e a longa cadeia produtiva do agronegócio, ficam proprietários proponentes e/ou arrendatários e/ou herdeiros, impedidos de ocuparem parte cultivável de suas terras com o cultivo da cana, pelos anos que forem determinados na matrícula no registro do imóvel.

A inscrição da RDPA na matrícula dos imóveis deve ser moeda de barganha estimulada pelos agentes financeiros e premiada pela indústria de insumos, adubos, sementes, máquinas agrícolas, transportadores, enfim de todos quantos compõem a cadeia de serviços e negócios da agroindústria, favorecendo as propriedades e produtores com preços e condições favorecidas e diferenciadas.

A concessão de isenções fiscais aos produtores e propriedades que adotarem as RDPA também deve fazer parte desta equação. É contribuição do Estado também à sociedade brasileira.

A idéia foi colocada em prática em proposta formulada ao Banco do Brasil. Tem tudo para florescer, basta querer. É também alternativa do setor na crise de crédito internacional que já chegou ao campo.

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